Augusta acordou de sobressalto novamente. Estava atrasada. Não que o sobressalto lhe fosse incomum, pois sempre o tinha – talvez como forma de sentir-se culpada por não conseguir despertar na hora devida todas as manhas.
- Ele vai me matar! – pensou, imaginando a cara de seu chefe quando soubesse de seu mais recente atraso.
Correu. Jogou-se no box do banheiro e deixou que a água necessária tirasse o marasmo de seu corpo, que ainda dormia.
- Marina! – gritou à filha ainda do banheiro – faz um café correndo pra mamãe, faz?!?!
Marina dormia e sequer ouviu o apelo desesperado da mãe viciada em cafeína, o que gerou mais uma daquelas costumeiras chamadas de atenção matinais sobre o quanto Marina dormia, era preguiçosa e só queria saber das amiguinhas do colégio.
Sem o café, saiu. Bateu a porta. Esqueceu os óculos e as chaves do apartamento. Voltou da portaria e tocou a campanhia. Marina levou mais um sabão pela demora em abrir a porta, o que não surtiu muito efeito pois voltou para cama sem ao menos dar-se conta de que havia saído dela.
Com o retorno para pegar as chaves perdeu a barca para a Praça XV e teria que ir de ônibus, pegando todo o engarrafamento da Avenida Brasil naquele horário. Não acreditava no que estava acontecendo.
O que acontecia na verdade é que Augusta era uma ratinha de salas de bate-papo. Não resistia a um clique na “rede dial up” após a meia noite para dar uma passadinha em seu cadastro no Par Perfeito e dali... Ah! Dali sempre viajava na larga envergadura das asas da internet... Em busca de um par perfeito, claro!
Naquela noite não foi diferente. Automaticamente, como um reloginho virtual, os dedos de Augusta digitaram seu código de acesso... E o mundo estava aos seus pés novamente. Ficou até quatro horas da madrugada clicando com uma figura de Porciúncula. Acabaram brigando, pois ela era Assistente Social, e do PMDB, e ele era um Economista filiado ao PT. Não ia dar certo.
O ponto de ônibus estava cheio e ela não tinha a menor idéia de quando nem como o ônibus iria passar. E ele passou no justo momento do pensamento. Seu corpo parecia querer apoiar-se em qualquer anteparo, buscando um motivo qualquer para descansar, que não fosse a noite de vigília em frente à tela sedutora do computador.
Conseguiu um lugar no fundo, caso o ônibus enchesse, já estaria perto da saída. Quando entrou notou um rapaz de seus vinte e seis anos, cabelo castanho bem penteado, cavanhaque, terno e pasta, muito bonito, com cara de simpático...
Sentou-se a sua frente. Inclinou a cabeça no encosto do banco e cochilou. Sentiu o ônibus sair mas não quis abrir os olhos ou mexer-se. Ficaria ali quietinha até chegar à Presidente Vargas.
- Oi... Olha, não precisa falar nada. Não quero te incomodar...
Augusta imaginou que estava sonhando e como ainda faltavam bons quilômetros a serem percorridos, deixou fluir.
- Quando você passou por mim, não deu pra resistir...
Não. Não era um sonho. A voz vinha do banco de traz. Mais especificamente do garotão simpático. Olhou de rabo de olho. Não tinha ninguém ao lado dele...
- Ele está me cantando na cara de pau – pensou quase em voz alta.
- Eu geralmente não faço isso... Mas se estiver incomodando...
Ela aconchegou-se mais para perto como se estivesse dormindo. Imóvel, parecia uma parabólica a capturar qualquer palavra que saísse daqueles lábios.
- Que soninho, heim? Acho que te acordei!
Augusta mexeu-se para que ele percebe-se que talvez ela estivesse acordada e escutando os galanteios.
- Você sabe que esse seu cabelo me deixa sem ar? Essa cor... Sei lá essa cor é o que há!
- “É o que há”. Puta que pariu. Um homem desses me dizendo que meu cabelo é o que há! – pensou. E automaticamente mexeu na franja que lhe caia sobre os olhos, destapando-os.
- Não sei não. Mas se você quiser a gente pode tomar um café hoje e...
Café. Um homem jovem que chamava para tomar café e não uma gelada. Um homem que ainda não havia chamado ela de gostosinha ou algo parecido. Um homem bonito. Dentro de um ônibus que ela não iria pegar! Agradeceu ao PT, à Marina, à barca que saiu britanicamente no horário... Agradeceu aos santos, orixás, aos mentores espirituais...
Era a sua vez. Tinha que demonstrar interesse senão o cara ia cansar da investida. Abriu lentamente os olhos abriu um livro de Direitos Humanos. Passou novamente a mão no cabelo, jogando-o para trás. Tirou as lentes escuras de seus óculos. Ajeitou-se no banco e, fingindo ler as linhas que estavam em seu campo de visão, ficou olhando pela janela com um meio sorriso esboçado no canto da boca. Na verdade tentava ver, pelo reflexo do vidro, o homem que a estava cantando.
- Você é linda sabia! – continuou o homem – acho que dei a sorte grande... Bom, ainda não sei. Você não fala nada...!
Decidiu. “Sem essa de bancar a mulher tímida”, pensou. “Eu, heim, só aparece homem virtual, com desejos, idades virtuais e...” – parou o encadeamento dos pensamentos.
Virou-se lentamente. Cabeça, tronco e olhos harmonizados. Ao terminar o movimento de rotação olhou direto nos olhos do rapaz... A situação a deixou ainda mais constrangida, envergonhada, quis morrer, saltar do ônibus ali mesmo. O sujeito, que apoiava sua cabeça no antebraço colocado no encosto do assento de Augusta, falava ao celular.
O homem percebeu a mudança dela e levantou os olhos. Soturnamente, com se quisesse manter a conversa em sigilo voltou o corpo para o encosto, abaixou a Voz e continuou a conversa.
Augusta nem havia notado seu retorno à posição inicial. Abaixou o livro como se retomasse a leitura, mas já não enxergava nada, tamanho o desapontamento.
- Então... Pensou que eu não ia ligar, não foi? – Continuou o rapaz.
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