Saúde, Paz, Harmonia...

Prefiro as Convicções mutantes
Às incertezas constantes

Palavras que o vento não leva...

Clarice Lispector. "... uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso."
Confúcio: "O que eu ouço, eu esqueço. O que eu vejo, eu lembro. O que eu faço, eu entendo."
Madre Tereza de Caucutá: "É inadmissível nos permitirmos que alguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz."
Paulo Freire: "A subjetividade muda no processo de mudança da objetividade. Eu me transformo ao transformar. Eu sou feito pela história ao fazê-la."
Sartre: "o importante não é o que fizeram de mim, mas o que eu faço do que fizeram de mim."
[autor]: "Palavras categóricas e ásperas são sinal de uma causa infundada."
Madre Tereza de Caucutá: "Não ame por beleza, pois um dia ela acaba, não ame por adimiração, pois um dia pode se decepcionar. Ame apenas, pois o tempo nunca poderá apagar um amor sem explicação."
Diamante: "A pessoa que briga por uma única verdade, na realidade está defendendo sua mentira!"
Voltaire: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las."
Oscar Wilde: "Se você não consegue entender o meu silêncio de nada irá adiantar as palavras, pois é no silêncio das minhas palavras que estão todos os meus maiores sentimentos."

sábado, 13 de março de 2010

A Mudança

Um pé de seu par de sapatos estava jogado, tombado, atraz da porta. O outro sob a cama, encostado na parede após várias tentativas de limpeza, que terminara por empurralo cada vez mais para o fundo, aguardava o momento exato de ser limpo e juntar-se ao outro. A toalha azul desbotada dentro do cesto, junto às outras peças de roupa, dobrava-se sobre si mesma passiva há tempos esquecidos.

Uma camada ambar de poeira acumulava-se nos móveis dia após dia, num movimento lento e imperceptível, enquanto a torneira gotejava minuto a minuto o choro enferrujado vindo do cano sem manutenção. A luz do abajour queimada. A porta que rangia e esganiçava a a lateral na dobradiça a cada movimento.

O prato fundo sujo sopa ornava a pia como um enfeite velho que já não cabia no espaço. E o cabide colocado no puxador da porta do armário jazia inerte sem sua função de guardar e manter esticada a calça caída logo abaixo a dias.

Ela olhou em volta, sentou-se no meio da sala, ensaiou um suspiro lento e forçado de dentro dos pulmões. Arfou diante do desmazelo da casa, jogou a cabeça para tras olhando para o teto na esperança de ter o vislumbre de uma solução mágica. As mão apoiadas no chão, buscando o equilíbro do tronco. O alarme do celular tocou pontualmente, anunciando a hora inevitável do banho matinal. Seis horas. Puxou as pernas para sí em um movimento que as cruzou. Esboçou um arquejo do corpo estalando os ossos, que reclamavam a noite mal dormida e esticou os músculos encolhidos.

“Na hora” - pensou, levantando-se da posição de forma exageradamente lenta. “Está na hora”. Do jeito habitual de um ordinário dia de semana refez os passos já automatizados em direção ao banheiro. Abriu o chuveiro lembrando que tinha que chamar o bombeiro para ajeitar a carrapeta e tomou o banho.

Diante do espelho teve a costumeira conversa que iniciava o dia, planejando o que deveria fazer, enquanto escovava os dentes. Preparou o café da manhã olhando sorrateiramente o prato de sopa. “Na volta eu lavo”. E acumulou mais talheres na pia. Tomou o café e acendeu o primeiro cigarro do dia. “Depois desse só o do almoço” – advertiu-se. Passou pela calça no chão. “Esta está já está suja”. Jogou-a dentro do cesto cheio. Fez pressão e fechou estalando a trava da tampa.

“Onde está o outro?” – lembrou-se ao buscar novamente o par de sapatos. O tempo passava na lentidão do início do dia. Correu para o armário e escolheu a sandália marrom de salto baixo. O tempo passou. Corria mais rápido agora. “Porque não deixei tudo separado ontem?”. Pegou um vestido e habilmente o jogou sobre o corpo, deixando que ele deslizasse pelas poucas curvas que ainda permaneciam depois das esquecidas sessões de academia.

Olhou a bolsa e recordou que desde a chegada no dia anterior não havia tocado nela. “Então está dudo aí”. Pegou-a. Voltou ao banheiro tentando mante-la no ombro enquanto desajeita buscava o estojo de maquiagem dentro do armário. Passou um brilho nos lábios, o lápis no olho e saiu esquecendo a chave na porta.

“Está faltando alguma coisa”. Lembrou-se no elevador. Voltou sem a idéia exata do que buscava. “Meu Deus, a chave” - lembou-se. Correu pelo corredor como se tivesse pasado tempo suficiente para alguém te-la achado e entrado no apartamento desordenado. “Aquela bagunça toda!” – retaiu-se à idéia de que alguém pudesse ter entrado no apartamento de uma mulher e encontrado tanta coisa fora do lugar. Puxou a porta. “Doida, nem fechou a porta”. Trancou a porta. Pegou a chave aliviada.

O dia seguiu sem emoções. “Cada dia deveria ter uma emoção nova” - disse olhando o copo de café que se enchia na copa do sexto andar. Nenhuma novidade. Sentia-se estagnada no trabalho, como se não conseguisse utilizar mais de um por cento de seu cérebro. Sentada em frente ao computador, olhou a foto do sobrinho e sorriu. “Ele, sim, tem uma emoção nova a cada dia”. E retomou a sua rotina de trabalho.

O dia estava quente demais e sentiu-se aliviada de ter escolhido o vestido leve que estava usando. “Você não escolheu, sua louca. Ele estava à mão” – e soltou uma leve risada olhando imediatamente em volta para certificar-se de que ninguém a imaginava realmente uma louca naquele momento. Não. Estava sozinha naquele canto. “Gente! Acho que esqueceram de mim de pois de tanta mudanças nessa empresa”.

O dia passou como normalmente passava. “Tudo passa de qualquer jeito”. Olhou pela janela do respiradouro ao perceber algumas gotas de chuva grudadas no vidro e lembrou da última vez que, sem saber porque, permaneceu no trabalho até bem mais tarde para terminar um relatório e uma chuva inundou o bairro. “Ts-ts-ts. Dessa vez não!”. Enviou um último e-mail. Desligou o computador e apanhou a bolsa colocada no encosto da cadeira.

Foi novamente no sexto andar e tomou mais um copo de café acompanhado de um cigarro, lembrando que não hava fumado depois do almoço. “Boa menina. Tirando as condicionantes, heim!Isso vai sair da sua vida, garota. Ah! Vai!”.

Sua visão do dia anterior de chuva pareceu uma premonição e logo que chegou na portaria havia uma chuvisna e alguns raios no céu anunciavam chuva forte. Correu para o ponto de ônibus. “Deveria ter ido para o outro lado. Lá tem mais opções”.

O trânsito estava lento como sempre e parou justo quando a chuva prevista realmente caiu na cidade. “Ainda bem que não fiz escova”. Como se houvesse espaço sificiente o motorista parava em cada ponto pegando mais passageiros, que se amontoavam nos cantinhos e frestas entre um um e outro. “Otimo. Amassada. Empurrada. Encurralada”.

Com o humor abalado pela densidade demográfica do ônibus e pela lentidão do trânsito, chegou em casa duas horas mais tarde que o normal. Passou pela padaria olhando a vitrine dos pães imaginando como chegariam se resolvesse descer para comprar o lanche da noite. “Não!”.

Abriu a porta já tirando as sandálias para coloca-las ao lado do pé de sapato esquecido. Correu para o banheiro com a intenção de tirar o resto da roupa e tomar um banho para aquecer. “Hã?” – se perguntou, virando rapidamente para um monte de pelos que se aninhava no canto do sofá. Com se quisesse enxergar o vulto com nitidez, coçou os olhos esticando o pescoço e jogando a cabeça à frente enquanto cerrava os olhos na tentativa de entender o que acontecia ali. “Como assim, um gato?”.

Um gato, provavelmente, num desses momentos sui generis da vida de qualquer um, havia entrado pela porta entreaberta da manhã e acomodado-se sobre o sofá da sala. “Não gosto de gatos. Não gosto de animais de estimação! Não gosto de pelos” – quase bradou para si mesma. “Xô!... Xô!... Sai daí... Eu não gosto de gatos!” – gritou mentalmente enquanto agitava os braçso na tentativa de espulsar o gato, que permanecia enrolado e acabara de fechar os olhos depois do grito de Ana.

Continua...

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