Eu estava na fila do ponto do 176 – rápido. Aquele que vai pelo Túnel Santa Bárbara (Central-São Conrado). Sinceramente acho que ele deve ser renomeado para 176 – semi-rápido. É que o trecho dentro da rodoviária que vai do ponto, dá uma volta danada pra chegar na Presidente Vargas – dependendo da hora e do dia – é um suplício.
Entre as idas e vindas de uma ambulante que oferecia umas bananadas que estavam dentro de uma sacola não mais transparente de tanta poeira escutei a conversa de duas mulheres que estavam na minha frente. O ponto exato que me chamou atenção foi “eu sou assim e nunca vou mudar”. Fiquei atento, a partir desse momento à conversa de ambas.
De uma forma bastante popular e escrachada, a mulher da ‘síndrome de Gabriela’ discursava sobre o quanto era suficiente sua forma de ver e conduzir sua vida e a das pessoas mais próximas que faziam parte do seu círculo cotidiano. Com interjeições e uma linguagem corporal peculiar, entremeava frases e acentuava palavras com um balenceio de cabeça, uma protrusão constante do lábio inferior. Essa mistura lhe conferia um ar de suposta superioridade a cada sentença – nem gramatical nem matemática, mas jurídica – que aplicava.
“Falo na cara! Não sou de mandar recado! E não levo nada pra casa!” eram frases repetidas no discurso da mulher. E em determinado momento percebi que a falta de repertório desenhava um vai-vem desconfortável até mesmo para a outra, que a ouvia e abaixava a cabeça ao notar o crivo no olhar das outras pessoas da fila.
Por mais que, evidentemente, aquela conversa tenha se tornado cansativa para todos, não havia na oradora nenhum sinal de preocupação com isso. Muito pelo contrário, em determinado momento, elevou o tom da voz, buscando a aprovação de uma outra mulher que estava na linha seguinte da fila.
Permanecemos alí por trinta minutos aproximadamente ouvindo a mulher desprezar o marido e sua família, a vangloriar-se dos atos rebeldes que perpetrava diante das coisas ‘erradas’ que ele ou a familia dele ‘cometia’.
Curiosamente ela falava também aos outros homens que estavam no local, insinuando que todos os machos ali presentes careciam de uma mulher como ela para aparar as asas dos ‘safados’ – alcunha que utilizou constantemente para os homens durante a conversa na fila.
Ao entrar no ônibus, com as vozes acumuladas e o ar quente dentro do veículo, abri ao máximo a janela aproximando meu rosto do lado de fora em busca de um ambiente menos coletivo.
Não ouvia mais - com distinção - as palavras da mulher, que seguiu com seu discurso sobre o quanto precisava ser austéra – e até mesmo violenta - para manter seu amado e ‘safado’ marido na linha.
Fiquei satisfeito até que começou a chover e eu tive que fechar a janela. Não conseguia concentração para ler e havia esquecido o MP3... Fui obrigado a aturar, afinal, a mulher era o dobro do meu tamanho e estava pelo menos com o triplo da minha disposição naquela hora da manhã.
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sábado, 5 de março de 2011
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